quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Matéria Especial


SAÚDE, ESTADO E MERCADO – UMA EXPERIÊNCIA EM BARCELONA

Professor Dr. Djalma Freire Borges conta com exclusividade para o PPGA-UFRN nessa semana um pouco das experiências que o mesmo e a sua esposa Professora Drª. Maria Arlete Duarte Araújo estão tendo em Barcelona (Espanha).

Cruzei a porta de saída do prédio onde resido e virei à esquerda. Andei 50 metros até a esquina e virei novamente à esquerda. Caminhei mais uns 300 metros e me vi defronte de um prédio moderno, simples, de forma retangular, de seis andares. Uma rampa de pouca inclinação, destinada a idosos ou pessoas com necessidades especiais, e uma escadaria pequena eram os acessos ao piso térreo do edifício, mais ou menos um metro acima do leito da rua. Preferi a escada. A porta automática se abriu à minha aproximação e me vi num hall amplo, com algumas pessoas sentadas em bancos junto à parede, do lado direito. No lado oposto, à esquerda, um balcão de atendimento e uma funcionária atendendo. Uma pessoa apenas na fila. Coloquei-me atrás e esperei. Logo ela foi chamada e atendida, e chegou a minha vez.

Entreguei à funcionária meu cartão de assistência médica e disse que queria uma consulta com Dr. Escoda, meu médico de família, um clínico. A funcionária examinou meu cartão, voltou-se para o monitor do computador, à sua esquerda, digitou alguns dados no teclado, olhou novamente o monitor, voltou-se para mim e disse: “Prefere pela manhã ou à tarde?” Eu falei: “ pela manhã.” E ela: “Está marcada então para amanhã, às 12 horas. Consultório no terceiro andar.” Devolveu meu cartão, agradeci e saí.

Ao chegar em casa, falei para minha mulher, professora universitária em pós-doutoramento em Barcelona, precisamente estudando o sistema de gestão de saúde pública na Espanha e com quem havia discutido o tempo para ser atendido em consulta: “Você ganhou. Sabe quando serei atendido? Amanhã”, informei.

Fiquei impressionado. Imaginei que mesmo com os avanços ocorridos no sistema de seguridade social da Espanha, haveria uma espera de uma ou duas semanas. Eu já havia gostado da rapidez no cadastramento para assistência médica. Primeiro, a inscrição de residência, feita na Prefeitura. Depois, com essa inscrição, o cadastro de assistência social na policlínica mais próxima de minha residência. Tudo rápido, perfeito, sem problemas. Agora a marcação da consulta. Bom, vamos ver amanhã, o atendimento, pensei.

Dia seguinte, perto de 12 horas, estava novamente na policlínica. O elevador me deixou no terceiro andar e procurei a sala do Dr. Escoda. Uma plaqueta resolveu meu problema, indicando seu consultório. Entrei numa ante-sala, bastante longa, com bancos forrados em lâminas claras de madeira, design moderno, de bom estilo, com encosto, para quatro pessoas cada um, colocado um defronte do outro. Distribuíam-se ao longo da sala, em frente de mais ou menos uns dez consultórios médicos.

Sentei-me num banco próximo ao consultório do Dr. Escoda e esperei. Pouco depois a porta do consultório abriu um senhor alto, meia idade, com bata de médico, olhou uma ficha e falou: “- Sr. Borges!” Fiz sinal que era eu e ele me mandou entrar. Sentei à sua frente, em sua mesa de trabalho, e disse-lhe que eu estava na Espanha há poucos meses, iria ficar mais oito, e que tomava continuamente alguns medicamentos prescritos por meus médicos, no Brasil, e que necessitava de uma prescrição nova para adquiri-los nas farmácias. Exibi as receitas.

Examinou-as e disse: “- Entendi. Vou lhe dar uma prescrição para dois meses. Quando os medicamentos estiverem terminando, volte aqui e lhe darei outra para mais dois meses.”
Digitou alguns dados no teclado do computador, a seu lado, imprimiu as receitas, assinou, e me entregou: duas requisições para cada um dos três medicamentos que eu necessitava. Agradeci e saí.

Estava satisfeito. Atendimento rápido, perfeito, sem complicações burocráticas. Agora era comprar os remédios e pronto, tudo terminado. Me dirigi à farmácia mais próxima, que no meu caso, para felicidade minha, fica no andar térreo de meu prédio. Fui ao balcão e apresentei as receitas, informando que queria adquirir aqueles medicamentos. A senhora que me atendeu olhou as receitas, abriu algumas gavetas numa salinha ao lado, retirou os remédios e voltou ao balcão. Pegou uma tesoura, cortou o lado das caixinhas com o código de barras, colou num espaço determinado das receitas e pediu para eu assinar. Assinei e indaguei: “- Quanto custa?” Respondeu: “- Não, os remédios são grátis, em função de sua idade.”

Fiquei besta! Eu vinha comprando aqueles medicamentos no Brasil há anos, sempre pagando alto, pois dois deles eram muito caros. Impossíveis para assalariados de baixa renda. E agora, num país estrangeiro, sem nenhuma contribuição minha anterior para seu sistema de assistência social, os medicamentos me eram entregues gratuitamente.

Contei à minha mulher, discutimos o caso, consultamos a legislação específica e entendemos.

Na Espanha, a reforma do sistema nacional de saúde pública vem sendo efetuada ao longo do tempo, progressivamente, em particular por governos do Partido Socialista e Operário Espanhol, com descentralização e poder para as comunidades autônomas, simplificação de procedimentos de assistência à saúde e instituição de gratuidade no fornecimento de remédios para maiores de sessenta anos. Não precisa contribuição prévia nenhuma, não precisa ser cidadão espanhol, basta residir na Espanha. Afirma-se assim uma concepção generosa, humanista, solidária, de proteção do ser humano, da vida humana. O entendimento é que a saúde é direito do cidadão e dever do Estado. O Estado espanhol gasta uma grande soma de recursos, retirados do orçamento público, com a saúde da população. Na área de medicamentos, além do fornecimento gratuito para os maiores de sessenta anos, há um desconto de 60% no preço dos remédios para os demais cidadãos, apenas com a apresentação da receita médica. O Estado assume a diferença. O princípio essencial é o da igualdade, da equidade, da justiça social, do bem-estar.

A oposição, representada pelos liberais do Partido Popular da Espanha, uma espécie de Democratas no Brasil, não está satisfeita. Em seu entendimento, a saúde é um bem que pode ser perfeitamente atendido pelo mercado. Para eles, melhor seria para o desenvolvimento da Espanha e a saúde de sua população, se o cidadão pagasse pela sua demanda de serviços de saúde. Isso estimularia a atividade produtiva, geraria emprego e renda, e permitiria uma redução dos impostos, com conseqüente estímulo à atividade empresarial. O orçamento público seria reduzido, haveria equilíbrio nas contas públicas e não déficit como ocorre atualmente. A norma para eles não é o direito à saúde. A norma é o atendimento pelo mercado de tudo aquilo que, legalmente, pode ser precificado e vendido no mercado. Essa é a diferença fundamental. O princípio essencial é o da economicidade, da produtividade, da rentabilidade, da lucratividade.

Acho que não preciso dizer qual o meu lado, nesta questão. E você, qual é o seu lado?

Djalma Freire Borges
Prof. Dr. – PPGA/UFRN
Viagem
O professor Dr. Djalma acompanhou a esposa e também Professora Drª Maria Alerte na viagem para Barcelona (Espanha) para que ela obtenha o título de Pós-Doutorado. A viagem aconteceu no dia 11 de agosto do corrente ano e com data prevista para o retorno para o dia 11 de outubro de 2009. Nesse trabalho da Professora está sendo avaliado entre as várias experiências trocadas, a questão da: saúde, estado e mercado com enfoque na experiência bem sucedida em Barcelona.

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